sábado, 2 de outubro de 2010

Você já ouviu falar sobre Epilepsia Fotosenssitiva?

Eu estava lendo o Pinceladas da Web e fiquei sabendo que em 2007 a comissão dos Jogos Olímpicos de Londres teve que retirar, do site oficial, uma animação com várias faixas de luz em movimento rápido. O problema é que essa animação ocasionou uma denúncia feita por 22 usuários com Epilepsia Fotossensitiva.

Descobre que o caso não é uma novidade pois em 1997 cerca de 600 crianças e adolescentes foram hospitalizados no Japão após assistir um episódio de Pokemon com estímulos luminosos intensos.

Meu desconhecimento sobre Epilepsia Fotosenssitiva é imenso e percebendo que o assunto é sério, pois sou editor de blogs e posso qualquer dia criar uma animação nociva, resolve pesquisar um pouco e compartilhar o conhecimento.

O que significa Epilepsia?

A palavra epilepsia é derivada do grego, no qual significa uma condição de tornar-se dominado, apanhado ou atacado. O povo usava-a por acreditar que as crises eram causadas por um demônio. Assim a epilepsia tornou-se uma doença sagrada. Esta é a base para os mitos e medos que cercam a epilepsia, e que influenciam as atitudes populares no sentido de dificultar ainda mais o alcance de uma vida normal para os portadores da mesma. A palavra epilepsia não significa mais do que uma tendência para ter crises.

Epilepsia é uma condição neurológica que de tempo em tempo produz breves distúrbios nas funções elétricas cerebrais normais. A função cerebral normal é garantida por milhões de pequenas cargas elétricas passando entre células nervosas no cérebro e em todas as partes do corpo. Quando alguém tem epilepsia, este padrão normal pode ser interrompido por surtos intermitentes de energia elétrica muito mais intensa do que o habitual. Isto pode afetar a consciência da pessoa e provocar movimentos corporais ou sensações por curtos períodos de tempo.

O cérebro é um órgão altamente complexo e sensitivo. Ele regula e controla todas nossas ações. Ele controla movimentos, sensações, pensamentos e emoções. Ele é o sítio da memória e regula os mecanismos involuntários do corpo, tais como os do coração e pulmões. As células cerebrais trabalham em conjunto, comunicando-se por meio de sinais elétricos. Ocasionalmente ocorre uma descarga elétrica anormal de um grupo de células e o resultado é uma crise. O tipo de crise depende da região do cérebro onde ocorre a descarga.

Qual a diferença entre crise e epilepsia?

Crises são sintoma de epilepsia. Epilepsia é a tendência subjacente do cérebro para produzir surtos súbitos de energia elétrica que desarranja outras funções cerebrais.

Epilepsia Fotosenssitiva

Esse tipo de epilepsia pode ocorrer quando os olhos são expostos a uma quantidade excessiva de luz. A epilepsia fotossensitiva teve início ao ser usado um efeito estroboscópico que consiste basicamente em usar luses fortes piscando e mudando de forma, como na transformação do Shurato. O que houve na verdade, é que no momento do acidente, a luz mudava de formato de maneira em que o intervalo pra cada forma era de menos de um segundo.

Artes e Epilepsia


Um par de anos atrás quando escrevemos um artigo sobre o cérebro e as artes visuais (Garcia-Cairasco, 2000), percebemos o quanto este tema é intrigante, empolgante e ao mesmo tempo difícil de ser abordado. Apresentávamos na ocasião a perspectiva dos artistas plásticos que, ao longo dos séculos, modelaram o cérebro e as suas funções com enorme criatividade. Comentávamos como nesta caminhada estético-científica o homem não evitou que tendenciosidades e influência de dogmas do momento e das ignorâncias a ela associadas, repercutissem sobre esses modelos. Vários momentos dessa história das Neurociências foram brilhantemente discutidas, entre outras obras, no livro The Enchanted Loom: Chapters in the History of Neuroscience (De Corsi, 1989).

Dentro da mesma linha de raciocínio do artigo mencionado, escrever sobre artes e epilepsia deve fazer eco à enorme interação que existe, ou ao menos deveria existir, entre arte e ciência. Em primeiro lugar, não é nada fácil tentar explicar a origem do conceito de epileptogênese sem usar critérios e parâmetros científicos, ao mesmo tempo que é bem difícil se aventurar em definições sobre arte apenas utilizando ferramentas científicas. Afinal as artes e os conceitos sobre expressão artística também tiveram suas mudanças, e elas dependeram, entre outros fatores, da evolução do próprio cérebro humano e de uma consequência disso, a nossa cultura. Pelo fato das epilepsias se referirem ao longo dos séculos a fenômenos ora fantásticos ou mágicos, ora demoníacos, e com o avanço cada vez maior da ciência, a fenômenos orgânicos, resultaria praticamente impossível pretender dar uma explicação sobre essa interação arte-epilepsia, que incorporasse, de maneira simplista as definições de epilepsia (quase sempre confusas) e as definições de arte (quase sempre subjetivas). Vejamos exemplos que ilustram este ponto de vista.

Como foram vistos a epilepsia e os epilépticos ao longo dos séculos? Como dito anteriormente, as epilepsias e os epilépticos foram vistos, como fenômenos mágicos e como personagens, respectivamente, abençoadas ou amaldiçoadas. De que maneira era vista a função cerebral? Se nos remontamos, por exemplo, à época da frenologia, segundo Gall (1758-1828), protuberâncias cerebrais revelavam funções ou características funcionais que relacionavam personalidade a vantagens ou disposições comportamentais. Sem uma neuroanatomia e neuropatologia conhecidas, e com as grandes restrições do conhecimento neurológico ainda incipiente, é obvio que muito deste localizacionismo pode ter findado em charlataneria. O que dizer então do prognóstico dos indivíduos que eram acometidos pelos ataques da assim chamada doença sagrada?

Numa seqüência de eventos brilhantes extremamente ligados uns aos outros, alguns artistas plásticos e acadêmicos, através de numa série de trabalhos produzidos entre os séculos quinze e dezesete, se aventuraram nas chamadas visões realistas ou naturalistas do homem e da própria natureza. Esta conjunção de abordagens certamente foi a precursora da ciência moderna (Smith, 2000). Com o avanço do conhecimento em neuroanatomia, com o auxílio dos detalhamentos estruturais advindos das dissecções e obras dos grandes mestres das Artes Visuais na Renascença - Michelangelo (1475-1564) e Da Vinci (1452-1519) - e da Medicina - Vesalius (1514-1564) e Albinus (1697-1770) - a possibilidade de correlacionar estrutura e função foi aumentada. Desta maneira, grandes artistas incursionaram em tarefas ditas científicas. Leonardo, por exemplo, contribuiu particularmente como cientista ao conhecimento do cérebro (Pevsner, 2002) sendo considerado por alguns o primeiro cientista. (White, 2002). Para se ter um exemplo, embora existam desenhos de Da Vinci onde constam erros grosseiros na anatomia dos ventrículos cerebrais, segundo Pevsner (2002), essa versão parece ser o produto, da sua leitura dos textos da época, que assim refletiam essa anatomia. Deve-se a Leonardo, entretanto, a descoberta da forma correta das cavidades ventriculares, ao preenchê-las com cera derretida, técnica esta somente recuperada quase dois séculos depois de Leonardo (Pevsner, 2002). Ticiano e sua escola contribuiram grandemente para que o trabalho monumental De Humanis Corporis Fabrica de Vesalius fosse mais aparente (Saunders e O'Mailey, 1950), da mesma maneira que Jan Wandelaar permitiu que se destacasse a obra de anatomia, também clássica de Albinus (Hale and Coyle, 1979). Uma consequência interessante dessa interação Arte-Ciência pode ter sido a rotina de executar obras como as lições de anatomia (Dr. Tulp., 1632; Dr. Deyman, 1656) de Rembrant (1606-1669) e outras obras, onde se expunham situações patológicas tais como a cura de um jovem epiléptico na Transfiguração de Cristo, de Rafael (século XVI) e a hemidistonia, em quadro de Ribera (século XVII). No caso de Rafael, mais do que uma contribuição científica, o que chama a atenção neste quadro é o caráter de interpretação religiosa, do relato bíblico, narrando a possessão espiritual que acometia ao jovem e a cura pelo milagre. As artes serviam então como veículo da época para a explanação do fenômeno das epilepsias. É interessante mencionar que o próprio Rafael pintou com excelência a comentada obra aEscola de Atenas (1510-1511?), onde a coexistência de personagens da Teologia, da Filosofia e da Astrologia é apoteótica (Hall, 1997). Não deixa de haver um contraste entre esta obra (Escola de Atenas) e a cura pelo milagre na Transfiguração de Cristo. Discutiremos abaixo como as artes visuais, um testemunho do momento, poderiam eventualmente se trasformar em protagonistas, quando a questão em pauta fosse a geração de arte por indivíduos com epilepsia.

Um fator que potencialmente contribuiu para estigmatizar, de maneira certamente ositiva, grandes personagens ou gênios da literatura e das artes, é a definição de estados melancólicos associados a eles. Em outras palavras, o gênio sempre foi associado a estados taciturnos. Segundo Yacubian (2000), na Renascença, a observação de que todos os homens excepcionais haviam sido melancólicos fez com que florescece a idéia de que grandes homens seriam particularmente propensos à epilepsia. Se a definição de doença mental não estava bem estabelecida nessas épocas, óbvios nexos foram traçados (nem sempre mensuráveis) entre doença mental e genialidade (Andreasen, 1987).

Relatos mais recentes confirmam estes perfis, ao demonstrarem como as grandes produções de ícones da literatura universal estavam associadas a ciclotimia, depressão ou euforia dos mesmos. Jamison (1995), por exemplo, falando sobre doença maníaco-depressiva e criatividade, mostra como temperamento e estilo cognitivo específico associados às desordens do humor podem de fato aumentar a criatividade em alguns indivíduos. Comenta este autor que, da mesma maneira que a taxa de suicídios é bem aumentada entre indivíduos deprimidos que se destacaram pela sua produção artística, os ciclos de humor aos que eles estavam submetidos afetou também sua produtividade. Jamison (1995) cita, entre outros, o exemplo de Robert Schumann, cuja maioria de obras musicais foi composta na fase de hipomania, enquanto que a redução de sua produção ocorreu durante as fases de depressão.

O que falar então dos indivíduos portadores de epilepsias? É evidente que o fato de, por exemplo, o famoso pintor holandês Van Gogh (1853-1890), ter apresentado um quadro compatível com crises epilépticas, embora discutido até hoje, junto com mais de 30 outras possibilidades diagnósticas, aguçou críticos, neurocientistas e historiadores, no sentido de estabelecer essa relação eventualmente causal entre epilepsia e genialidade. Sua história é a mais completa e a mais conhecida. Tentaremos usá-la como um paradigma para as lições que esta relação pode nos ensinar.

É notória a quantidade de estudos que tentam mostrar desde o diagnóstico da doença de Van Gogh, até a influência de seu estado clínico na sua produtividade. Gastaut (1956) confirmou os achados dos médicos que trataram de Van Gogh, identificando uma epilepsia do lobo temporal precipitada pelo uso de absinto (bebida muito comum na França, entre todos os artistas da época) na presença de antiga lesão límbica com sintomatologia de emocionalidade aumentada, viscosidade e hiposexualidade. Mais recentemente destaca-se entre essas obras o livro de Arnold (1992) onde de maneira bem detalhada, se discutem os aspectos que relacionam, além dos óbvios fatores associados à sua potencial epilepsia, tanto o impacto do uso de tintas, solventes e da bebida absinto no estado mental e neurológico e na criatividade do mestre. Na mesma linha, em recente revisão, Blumer (2002) relata como o quadro clínico de Van Gogh poderia estar relacionado de maneira multifatorial a estados de depressão pós-epilepsia, induzida por efeitos pró-convulsivos do absinto. Não se descartaria uma lesão cerebral prévia possivelmente associada ao tipo de epilepsia temporal mesial. Blumer (2002) define as alterações comportamentais de Van Gogh como desordem disfórica interictal, sendo esta o conjunto alternado e periódico de excitação-depressão e episódios de fúria, que se associavam a atividade EEGráfica específica. Na realidade, Blumer (2002) resume como Van Gogh sofreu de dois episódios de depressão reativa, tendo apresentado sinais claros de doença bipolar. Além disso os dois episódios de depressão foram seguidos por períodos mantidos de energia extremamente alta e de entusiasmo, primeiro como evangelista, e depois como artista. Dos relatos de seu irmão Théo, e das cartas de Van Gogh a ele dirigidas, se conclui, que, embora Van Gogh apresentasse comportamentos interictais compatíveis com alterações mentais pós-epilepsia, a sua maior produção foi feita em estado lúcido.

Entre os pontos importantes que poderíamos derivar da história surpreendente de Van Gogh, está a não interferência do seu estado mental ou neurológico, no sentido negativo, no seu desempenho artístico. De outro lado, a sua genialidade superou as eventuais barreiras que seu quadro clínico poderia lhe ocasionar. Mas, o que poderíamos pensar do epiléptico que chamaríamos comum? Há uma série de programas que tentam incorporar indivíduos epilépticos à sociedade, já que reconhecemos que, embora o tratamento eficiente situe o epiléptico como um indivíduo normal, melhorar sua qualidade de vida e remover o estigma social sempre serão metas obrigatórias. Desta maneira os grandes nomes das artes e das letras são postos como exemplos de capacidade e competência, reveladas de maneira surprendente, apesar das suas epilepsias. Como exemplo, no sítioAura são colocados, revisão de livros, galerias de arte, incluindo fotos, colagens, pinturas e desenhos de indivíduos epilépticos, além das definições, sugestões, comentários sobre indivíduos com epilepsia. Em muitas dessas produções aparecem sequências, depoimentos, ou vivências que externam de maneira estética, as vezes bem crua, as suas experiências de vida. Como referência extrema, os indivíduos que apresentam a chamada síndrome savantmostram como cérebros submetidos ao limite da sua capacidade funcional aprsentam um potencial ilimitado enquanto a performances artísticas. Muitos desses indivíduos são autistas, e mesmo assim, apesar das suas limitações psicomotoras, perceptivas e sensório-motoras, se expressam por meio da arte, de maneira magistral, sendo uma das mais famosas Nádia (Selfe, 1977). Humphrey (1999) sugere, em artigo polêmico, que a expressão artística de Nádia pode ter sido consequência de sua inabilidade linguística, o que o autor considera análogo com as mentes dos habitantes das cavernas na era do gelo. De fato, não temos nenhum registro de autismo e epilepsia, portanto esta relação é difícil de ser avaliada no contexto deste artigo.

Fora dos conceitos medievais sobre epilepsia e considerados pela ciência arcáicos, o que acontece no nosso mundo contemporâneo? Em trabalho recente sobre como são ilustrados eventos epilépticos no cinema, Kerson e cols (1999) concluem que a visão que se passa nos filmes continua a ser distorcida, sensacionalista e apresentada da maneira bem amedrontadora. Curiosamente, tratamentos não convencionais, não medicamentosos de indivíduos com epilepsia - por exemplo, tratamentos neurocomportamentais, multidisciplinares e de curto prazo (Reiter e Andrews, 2000) - têm se mostrado úteis, não só no controle das crises e de redução dos níveis de AEDs, mas também têm trazido benefícios adicionais tais como melhoria no desempenho profissional, nas artes e nas ciências da computação. Se pensarmos um pouco, também no mundo de hoje poderemos ter situações às vezes surprendentes. Ishida e cols (1998), entre outros, reportaram recentemente os sintomas clínicos de pacientes que, assistindo ao programa japonês Pocket monsters, apresentaram crises epilépticas fotoativadas. Os autores concluiram que as crises foram induzidas por mudanças rápidas nas cores, já que todos os pacientes estudados tiveram suas crises quando foram expostos por alguns segundos a luzes vermelhas escuras e flashes de azul brilhante, alternando a uma frequência de 12 Hz. Hoje não é mais segredo que as epilepsias fotomioclônicas e a fotossensibilidade são um fato científico e clínico.

Tanto a interação do nosso cérebro com as cores como os eventos emocionais que podem ser modulados pela percepção das mesmas, certamente estão entre os fatores que podem ser considerados quando da relação entre artistas plásticos, genialidade e epilepsia. Sempre existe a pergunta de porque El Greco distorcia suas imagens, ou porque Rembrandt pintava com aquele fundo escuro do qual eventualmente surgiam figuras extremamente iluminadas, e quais as razões ópticas, oftalmológicas, técnicas ou filosóficas para o pontilhismo, ou para o impressionismo. Marmor e Ravin (1997) no seu maravilhoso livro The Eye of the Artist, ilustram de maneira clara como, em alguns casos, houve sérios problemas de visão, associados à idade, a doenças degenerativas ou oculares, e em outros, foram escolhas técnicas e acadêmicas as que levaram estes artistas a executarem distorções ou decidirem por opções estéticas específicas.

Agora, de que maneira o nosso cérebro processa e contrasta informações simples, como a do flash, ou mesmo os padrões mais complexos de cores como aqueles contidos nos desenhos animados acima mencionados? De que maneira o cérebro transforma esses sinais em indutores de hiperexcitabilidade e hipersincronismo (epilepsia), e como, na situação normal, de maneira coordenada, nos integra junto com outras modalidades sensoriais, por meio de processos de transdução e associativos, ao universo que nos rodeia? Obviamente este é o ponto que todos gostaríamos de entender, e dele poderíamos derivar, mesmo que de maneira ainda precária, quais seriam os mecanismos do processamento da informação estética, um elemento eventualmente emergencial e altamente subjetivo.

No caso de Van Gogh, tanto Arnold (1992) quanto Blumer (2002) coincidem em que a maioria das melhores expressões artísticas deste grande mestre foram realizadas fora da esfera das intoxicações por absinto, fora dos quadros depressivos, e com uma lucidez extrema. Ao comentar justamente como o cérebro processa a informação estética, podemos nos encontrar com situações entre as quais aquela dos indivíduos muito bem dotados (gênios) que extraem de objetos e da natureza, assim como da própria sociedade humana, informação que às vezes não é perceptível ao comum das pessoas. Nesse campo entenderíamos a relação entre processamento cerebral e a nossa visão, digamos, convencional, a visão do dia-a-dia, ou eventualmente a diferença, se é que ela existe, entre visão dos mestres e sua associação com genialidade. Um pouco dessa aventura de explicar como esses processos podem acontecer de maneira diferencial entre indivíduos comuns, observadores ou críticos de arte e artistas plásticos, tem sido tentada no recente e polêmico livro Inner Vision: An exploration of Art and the Brain de Semir Zeki (1999). Neste livro o autor argumenta como nossas percepções do valor estético, da cor, da luz-sombra e da perspectiva, contidas nas obras de arte, dependem do funcionamento cerebral. Este autor salienta como a universalidade da percepção estética nos permite comunicarnos através da arte sem precisar da palavra escrita ou falada. Numa tentativa semelhante, a de expor uma teoria neurológica da experiência estética, Ramachandran e e Hirstein (1999) apresentam o que eles chamam das oito leis da experiência artística, a busca por universais, a busca pelo essencial. Neste mesmo contexto é interessante mencionar o caso relatado por Finkelstein e cols (1998) de um jovem de 27 anos que trabalhava com artesanato de mosaicos e até então não tinha mostrado nenhum interesse em desenho ou pintura. Foi a seguir admitido a um setor de neurologia com comportamento bizarro e desordens convulsivas. Durante algumas das crises o paciente impulsivamente iniciou desenhos, atividade esta que estava EEGraficamente associada a paroxismos ictais fronto-temporais esquerdos, coincidindo com hipofluxo no SPECT na mesma região. Os autores sugerem se tratar de um fenômeno desinibitório, na medida que testes psicodiagnósticos mostraram hipofunção da região frontal esquerda, talvez induzida por depressão alastrante do hemisfério esquerdo, enquanto que as funções do lobo direito permaneciam intactas. Parte da controvérsia sobre neurologia da função estética está retratada em Zeki (2001) e Ione (2000).

Embora tenhamos nos atido nesta série de comentários aos artistas das artes visuais, uma grande quantidade de exemplos advindos de outras esferas das artes, devem ser listados. Muitos deles já foram comentados no artigo da Dra. Yacubian, no presente volume, e outros tantos aparecem em farta literatura ao respeito (Jamison, 1995; Andreasen, 1987). Por exemplo, segundo Guerreiro (2000), Machado de Assis apresentava epilepsia sintomática localizada, com crises parciais complexas que generalizavam secundariamente. A consequência mais negativa da epilepsia deste grande escritor brasileiro foi o sofrimento psicológico devido à rejeição que sofreu na sua época. Guerreiro (2000) destaca que apesar disto, Machado de Assis mostrou ser um grande gênio ainda atual e universal. Finalmente, segundo Bazil (2001), Edgar Allan Poe, um dos mais celebrados escritores americanos, sofreu também de sintomatologia compatível com um quadro epiléptico: episódios de perda da consciência, confusão e/ou paranóia. Embora estes sintomas tenham sido atribuidos a álcool ou abuso de drogas, eles também poderiam representar crises parciais complexas, estados pós-ictais prolongados ou psicose pós-ictal.

Concluindo, arte e epilepsia se fundem tanto quanto arte e ciência. Os avanços da ciência não conseguem ainda explicar o significado final da arte como expressão fina e elaborada da função cerebral. Também não explicam como funciona o cérebro do artista, e as nuances que acompanham o desempenho artístico modulado por circunstâncias técnicas, por estados emocionais ou por questões orgânicas. Nenhuma dessas limitações nos impede de aceitar que, mesmo em indivíduos com lesões severas, como no caso dos savants, e em casos bem mais amenos, como os de indíviduos com epilepsia (exceção feita são as epilepsias catastróficas e as várias formas de epilepsias farmacorresistentes), a expressão das artes plásticas podem não estar prejudicadas ou eventualmente estar até aumentadas. Os critérios para definir estas interações dependem de uma série enorme de fatores que quando considerados em conjunto são vinculados mais à nossa visão aberta e abrangente do universo e da sociedade em que vivemos, do que às restrições que acompanham o portador de epilepsia.

O desenho Ictus, executado pelo autor em 1987 retrata a necessidade de visões inicialmente fenomenológicas (semiologia; etologia) das epilepsias, com toda a carga emocional e clínica que a sua expressão possa acarretar ao individuo que tem epilepsia e mesmo ao seu observador (familiar, médico). Adicionalmente retrata a necessidade de entender através da pesquisa, os mecanismos celulares e moleculares que podem ser caracterizados para oferecer diagnóstico e terapêuticas, tanto farmacológicas quanto comportamentais e cirúrgicas. Dessa visão integrada depende a possibilidade da ciência oferecer bem estar e qualidade de vida, enquanto investigadora desses fenômenos. As expressões artísticas destes indivíduos são um caminho adicional para o entendimento da surprendente esfera de fatores que caracterizam a função cerebral que tanto apelo têm, embora de conhecimento limitado, para o próprio homem.

Um argumento interessante tomado de Zeki (1999) é o de que o cérebro é um belíssimo órgão, uma das maiores aquisições da evolução. Segundo ele, o conhecimento da sua operação e de seus produtos, incluindo aqui as obras de arte que têm enriquecido nossas culturas e que todos nós admiramos, simplesmente aumenta nossa sensação de maravilhamento e de beleza, já que como consequência começamos a admirar não só o produto, mas o órgão que é capaz de produzí-las.

Norberto Garcia-Cairasco é pesquisador do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental. Departamento de Fisiologia. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo.

Agradecimentos: Às fundações de apóio à pesquisa, FAPESP, PROAP-CAPES, CNPq, FAEPA, PADCT e PRONEX pelo apoio financeiro. A todo o pessoal do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental do Departamento de Fisiologia da FMRP-USP, em especial aos Pós-Graduandos Cristiane Queixa Tilelli e Christiano Del Cantoni Gatti, pelos seus comentários e correções ao manuscrito. Este artigo é dedicado aos indíviduos, geniais ou não, que por causa de, ou apesar de suas epilepsias, realizam obras de arte e brilham com sua arte.

Epilepsia - Saiba mais sobre essa afecção

O que é a Epilepsia?

Epilepsia (palavra de origem grega que quer dizer atacar de surpresa), é uma afecção crônica do Sistema Nervoso Central, na qual o paciente é predisposto a apresentar episódios agudos de descarga excessiva, anormal e transitória de células nervosas (crises epilépticas).

Este quadro pode ou não ser acompanhado de Distúrbios do Comportamento ou Déficit das Funções Cognitivas. Para que se caracterize a epilepsia, o caráter repetitivo das crises é fundamental, ou seja, uma crise isolada não constitiu elemento para defini-la.

A Crise Epiléptica

É a manifestação clínica causada por uma descarga transitória, excessiva e anormal de células nervosas. Pode ser comparada a uma tempestade elétrica, ocorrendo num grupo de neurônios.

As descargas podem variar de local, extensão e severidade, o que leva a uma ampla diversidade de formas clínicas.

Os sinais e sintomas de uma crise epiléptica (distúrbios da consciência, dos movimentos ou da sensibilidade) refletem, portanto, a ativação da parte do cérebro afetada por esta atividade excessiva. Pode ser afetada apenas uma parte do cérebro (crise parcial ou focal) ou toda extensão dos dois hemisférios cerebrais (crise generalizada).

É importante lembrar que o termo disritmia, aplicado nesta área, não tem fundamento científico.

Quem sofre com a Epilepsia

A grande variação nos dados obtidos sobre a epidemiologia da epilepsia deve-se à dificuldade de diagnóstico e ao preconceito que faz com que pacientes e familiares omitam o problema. A prevalência de epilepsia é estimada em 1 a 2% da população geral.

Considerando-se uma população de 150 milhões de habitantes para o Brasil, teríamos então, aproximadamente 1,5 milhão a 3 milhões de pacientes epilépticos. Pode-se, portanto, concluir, que a epilepsia se constitui em um importante problema de saúde pública.

A incidência varia consideravelmente de acordo com a idade, sendo que mais de 75% dos pacientes terão sua primeira crise antes dos 18 anos. A faixa mais acometida é a infantil, grande parte com menos de 2 anos de idade.Estima-se, também, que seja discretamente mais frequente no sexo masculino e em classes sociais mais baixas.

Diagnóstico

A determinação do diagnóstico de epilepsia requer investigação clínica criteriosa:

  • História clínica com descrição da crise;
  • Antecedentes pessoais (neurológicos e psiquiátricos);
  • Antecedentes familiares;
  • Exame clínico;
  • Exame neurológico;
  • Exames complementares, como:
  • Eletroencefalograma (EEG);
  • Tomografia computadorizada (TC);
  • Ressonância magnética (RM);
  • Exame de líquor

O que causa a Epilepsia

A epilepsia pode ser resultado de malformações congênitas, infecções, tumores, doenças vasculares degenerativas ou traumas.

A investigação da causa da epilepsia se inicia na análise dos dados obtidos na história clínica. São eles que irão orientar os próximos passos na direção da causa mais provável. A razão de mais de ¾ dos pacientes apresentarem início das crises dos 18 anos, a maioria crianças, ainda não é clara. Provavelmente seja devido a maior vulnerabilidade do sistema nervoso central jovem.

Dentre estes dados, um dos mais importantes é a idade e início das crises, pois a causa da epilepsia varia expressivamente de acordo com a idade, como pode ser observado no quadro abaixo:

Como Evolui a Doença

Na maioria dos casos, a duração da epilepsia ativa é curta (inferior a 5 anos) e, uma vez adquirida a remissão, esta é, usualmente, permanente.

De fato, cerca de 70% dos pacientes entrarão em remissão permanente após a instituição do tratamento antiepiléptico.

A remissão ocorre precocemente, na maioria dos pacientes. Quanto mais difícil o controle das crises, pior sua evolução.

Considerando todos estes dados, conclui-se que a instituição de um tratamento adequado, eficaz e oportuno, melhora o prognóstico do paciente epiléptico.

Distúrbio do Comportamento e Epilepsia

Chamamos de distúrbio de comportamento aquele que se constitui em desvio de um comportamento aceito como normal para o paciente. Pode ser a exacerbação de um comportamento por si indesejável (explosões de temperamento), um comportamento normal ocorrendo em local impróprio (tirar a roupa em público, por exemplo) ou a ausência de um comportamento normal, como um relacionamento social pobre.

O distúrbio de comportamento só deve ser assim chamado, se a alteração chegar a afetar negativamente o paciente ou sua integração social.

A prevalência de distúrbios de comportamento entre crianças com diagnóstico de epilepsia é muito variável, dependendo do grupo de pacientes avaliados. Pode chegar a níveis superiores a 50% em pacientes acompanhados ambulatorialmente.

Como as funções cognitivas, o comportamento pode ser afetado pelos mesmos fatores relacionados à epilepsia. Os que se destacam são: aparecimento precoce de crises, elevada frequência de crises e ambiente familiar negativo.

Como Tratar

O diagnóstico de epilepsia deve ser estabelecido de forma definitiva antes do início do tratamento.

A decisão de se iniciar o tratamento deve considerar o paciente como um todo: a severidade do quadro clínico e seu prognóstico. Deve-se ter bem claro o propósito deste tratamento e a expectativa do paciente.

Tendo-se decidido que o paciente requer tratamento medicamentoso, depara-se a necessidade de escolher a medicação adequada.

Muito importante é ter em conta que a medicação, após instituída, deverá ser mantida durante muitos anos, por vezes até o final da vida.

A maneira como o indivíduo interage com o ambiente social (família, trabalho, amigos) é bastante afetada pelo fato dele ser um portador de epilepsia. O tratamento deve, portanto, não apenas visar o controle de suas crises, mas a melhora da qualidade de vida do paciente, garantindo uma melhor integração social.

A escolha da medicação antiepiléptica a ser utilizada é feita com base no tipo de crise apresentada pelo paciente.

A consequência imediata da escolha adequada da medicação, associada à eficácia contra as crises, melhora a adaptablidade social do paciente epiléptico, que poderá atender melhor e mais facilmente às exigências de seu meio, dentro de uma vida de qualidade.

Epilepsia Na Infância e o Preconceito

Sabe-se que aproximadamente 75% dos pacientes epilépticos são indivíduos jovens e que, destes, grande parte é de crianças.

A epilepsia se apresenta sempre com quadros dramáticos e, mesmo havendo nos dias de hoje, maiores informações e conhecimentos sobre a doença, é uma moléstia capaz de suscitar preconceitos e animosidade contra seus portadores. Sendo uma doença que interfere nas funções cognitivas, obviamente pode comprometer o aprendizado, levando esses pacientes a uma perda irreparável, tendo-se em vista seu desempenho intelectual no futuro.

Considerando-se esses aspectos, seu tratamento imediato, eficaz e com menor prejuizo na qualidade de vida, é o objetivo primordial por parte dos médicos, pais e pacientes.

EPILEPSIA / CONVULSÃO - ATAQUE EPILÉPTICO

Sinônimos: epilepsia, ter um ataque, finar-se; desmaio com tremor

O que é?

EpilepsiaEpilepsia é uma doença neurológica crônica, podendo ser progressiva em muitos casos, principalmente no que se relaciona a alterações cognitivas, freqüência e gravidade dos eventos críticos. É caracterizada por crises convulsivas recorrentes, afetando cerca de 1% da população mundial.

Uma crise convulsiva é uma descarga elétrica cerebral desorganizada que se propaga para todas as regiões do cérebro, levando a uma alteração de toda atividade cerebral. Pode se manifestar como uma alteração comportamental, na qual o indivíduo pode falar coisas sem sentido, por movimentos estereotipados de um membro, ou mesmo através de episódios nos quais o paciente parece ficar "fora do ar", no qual ele fica com o olhar parado, fixo e sem contato com o ambiente.

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A descarga elétrica neuronal anômala que geram as convulsões podem ser resultante de neurônios com atividade funcional alterada (doentes), resultantes de massas tumorais, cicatrizes cerebrais resultantes de processos infecciosos (meningites, encefalites),isquêmicos ou hemorrágicos (acidente vascular cerebral), ou até mesmo por doenças metabólicas (doenças do renais e hepáticas), anóxia cerebral (asfixia) e doenças genéticas. Muitas vezes, a origem das convulsões pode não ser estabelecida, neste caso a epilepsia é definida como criptogênica.

Como se desenvolve?

O mecanismo desencadeador das crises pode ser multifatorial. Em muitas pessoas, as crises convulsivas podem ser desencadeadas por um estímulo visual, auditivo, ou mesmo por algum tipo específico de imagem. Nas crianças, podem surgir na vigência de febre alta, sendo esta de evolução benigna, muitas vezes não necessitando de tratamento.

Nem toda crise convulsiva é caracterizada como epilepsia. Para tal, é preciso que o indivíduo tenha apresentado, no mínimo, duas ou mais crises convulsivas no período de 12 meses, sem apresentar febre, ingestão de álcool , intoxicação por drogas ou abstinência, durante as mesmas.

O que se sente?

A sintomatologia apresentada durante a crise vai variar conforme a área cerebral em que ocorreu a descarga anormal dos neurônios. Pode haver alterações motoras, nas quais os indivíduos apresentam movimentos de flexão e extensão dos mais variados grupos musculares, além de alterações sensoriais, como referidas acima, e ser acompanhada de perda de consciência e perda do controle esfincteriano.

As crises também podem ser precedidas por uma sintomatologia vaga, como sensação de mal estar gástrico, dormência no corpo, sonolência, sensação de escutar sons estranhos, ou odores desagradáveis e mesmo de distorções de imagem que estão sendo vistas.

A grande maioria dos pacientes, só percebem que foram acometidos por uma crise após recobrar consciência, além disso podem apresentar, durante este período, cefaléia, sensibilidade à luz, confusão mental, sonolência, ferimentos orais (língua e mucosa oral).

Como o médico faz o diagnóstico?

O diagnóstico é realizado pelo médico neurologista através de uma história médica completa, coletada com o paciente e pessoas que tenham observado a crise. Além disso, pode ser necessário exames complementares como eletroencefalograma (EEG) e neuroimagem, como tomografia e/ou ressonância magnética de crânio. O EEG é um exame essencial, apesar de não ser imprescindível, pois o diagnóstico é clínico.

Ele ao serve apenas para o diagnóstico, como também para monitorar a evolução do tratamento. Outro exame complementar que pode ser utilizado é o vídeo-EEG, no qual há registro sincronizado da imagem do paciente tendo a crise e o traçado eletroencefalográfico deste momento. As técnicas de neuroimagem são utilizadas para investigação de lesões cerebrais capazes de gerar crises convulsivas, fornecendo informações anatômicas, metabólicas e mesmo funcionais.

Como se trata?

O tratamento da epilepsia é realizado através de medicações que possam controlar a atividade anormal dos neurônios, diminuindo as cargas cerebrais anormais. Existem medicamentos de baixo custo e com poucos riscos de toxicidade. Geralmente, quando o neurologista inicia com um medicamento, só após atingir a dose máxima do mesmo, é que se associa outro , caso não haja controle adequado da epilepsia.

Mesmo com o uso de múltiplas medicações, pode não haver controle satisfatório da doença. Neste caso, pode haver indicação de cirurgia da epilepsia. Ela consiste na retirada de parte de lesão ou das conexões cerebrais que levam à propagação das descargas anormais. O procedimento cirúrgico pode levar à cura, ao controle das crises ou à diminuição da freqüência e intensidade das mesmas.