sábado, 2 de outubro de 2010

Artes e Epilepsia


Um par de anos atrás quando escrevemos um artigo sobre o cérebro e as artes visuais (Garcia-Cairasco, 2000), percebemos o quanto este tema é intrigante, empolgante e ao mesmo tempo difícil de ser abordado. Apresentávamos na ocasião a perspectiva dos artistas plásticos que, ao longo dos séculos, modelaram o cérebro e as suas funções com enorme criatividade. Comentávamos como nesta caminhada estético-científica o homem não evitou que tendenciosidades e influência de dogmas do momento e das ignorâncias a ela associadas, repercutissem sobre esses modelos. Vários momentos dessa história das Neurociências foram brilhantemente discutidas, entre outras obras, no livro The Enchanted Loom: Chapters in the History of Neuroscience (De Corsi, 1989).

Dentro da mesma linha de raciocínio do artigo mencionado, escrever sobre artes e epilepsia deve fazer eco à enorme interação que existe, ou ao menos deveria existir, entre arte e ciência. Em primeiro lugar, não é nada fácil tentar explicar a origem do conceito de epileptogênese sem usar critérios e parâmetros científicos, ao mesmo tempo que é bem difícil se aventurar em definições sobre arte apenas utilizando ferramentas científicas. Afinal as artes e os conceitos sobre expressão artística também tiveram suas mudanças, e elas dependeram, entre outros fatores, da evolução do próprio cérebro humano e de uma consequência disso, a nossa cultura. Pelo fato das epilepsias se referirem ao longo dos séculos a fenômenos ora fantásticos ou mágicos, ora demoníacos, e com o avanço cada vez maior da ciência, a fenômenos orgânicos, resultaria praticamente impossível pretender dar uma explicação sobre essa interação arte-epilepsia, que incorporasse, de maneira simplista as definições de epilepsia (quase sempre confusas) e as definições de arte (quase sempre subjetivas). Vejamos exemplos que ilustram este ponto de vista.

Como foram vistos a epilepsia e os epilépticos ao longo dos séculos? Como dito anteriormente, as epilepsias e os epilépticos foram vistos, como fenômenos mágicos e como personagens, respectivamente, abençoadas ou amaldiçoadas. De que maneira era vista a função cerebral? Se nos remontamos, por exemplo, à época da frenologia, segundo Gall (1758-1828), protuberâncias cerebrais revelavam funções ou características funcionais que relacionavam personalidade a vantagens ou disposições comportamentais. Sem uma neuroanatomia e neuropatologia conhecidas, e com as grandes restrições do conhecimento neurológico ainda incipiente, é obvio que muito deste localizacionismo pode ter findado em charlataneria. O que dizer então do prognóstico dos indivíduos que eram acometidos pelos ataques da assim chamada doença sagrada?

Numa seqüência de eventos brilhantes extremamente ligados uns aos outros, alguns artistas plásticos e acadêmicos, através de numa série de trabalhos produzidos entre os séculos quinze e dezesete, se aventuraram nas chamadas visões realistas ou naturalistas do homem e da própria natureza. Esta conjunção de abordagens certamente foi a precursora da ciência moderna (Smith, 2000). Com o avanço do conhecimento em neuroanatomia, com o auxílio dos detalhamentos estruturais advindos das dissecções e obras dos grandes mestres das Artes Visuais na Renascença - Michelangelo (1475-1564) e Da Vinci (1452-1519) - e da Medicina - Vesalius (1514-1564) e Albinus (1697-1770) - a possibilidade de correlacionar estrutura e função foi aumentada. Desta maneira, grandes artistas incursionaram em tarefas ditas científicas. Leonardo, por exemplo, contribuiu particularmente como cientista ao conhecimento do cérebro (Pevsner, 2002) sendo considerado por alguns o primeiro cientista. (White, 2002). Para se ter um exemplo, embora existam desenhos de Da Vinci onde constam erros grosseiros na anatomia dos ventrículos cerebrais, segundo Pevsner (2002), essa versão parece ser o produto, da sua leitura dos textos da época, que assim refletiam essa anatomia. Deve-se a Leonardo, entretanto, a descoberta da forma correta das cavidades ventriculares, ao preenchê-las com cera derretida, técnica esta somente recuperada quase dois séculos depois de Leonardo (Pevsner, 2002). Ticiano e sua escola contribuiram grandemente para que o trabalho monumental De Humanis Corporis Fabrica de Vesalius fosse mais aparente (Saunders e O'Mailey, 1950), da mesma maneira que Jan Wandelaar permitiu que se destacasse a obra de anatomia, também clássica de Albinus (Hale and Coyle, 1979). Uma consequência interessante dessa interação Arte-Ciência pode ter sido a rotina de executar obras como as lições de anatomia (Dr. Tulp., 1632; Dr. Deyman, 1656) de Rembrant (1606-1669) e outras obras, onde se expunham situações patológicas tais como a cura de um jovem epiléptico na Transfiguração de Cristo, de Rafael (século XVI) e a hemidistonia, em quadro de Ribera (século XVII). No caso de Rafael, mais do que uma contribuição científica, o que chama a atenção neste quadro é o caráter de interpretação religiosa, do relato bíblico, narrando a possessão espiritual que acometia ao jovem e a cura pelo milagre. As artes serviam então como veículo da época para a explanação do fenômeno das epilepsias. É interessante mencionar que o próprio Rafael pintou com excelência a comentada obra aEscola de Atenas (1510-1511?), onde a coexistência de personagens da Teologia, da Filosofia e da Astrologia é apoteótica (Hall, 1997). Não deixa de haver um contraste entre esta obra (Escola de Atenas) e a cura pelo milagre na Transfiguração de Cristo. Discutiremos abaixo como as artes visuais, um testemunho do momento, poderiam eventualmente se trasformar em protagonistas, quando a questão em pauta fosse a geração de arte por indivíduos com epilepsia.

Um fator que potencialmente contribuiu para estigmatizar, de maneira certamente ositiva, grandes personagens ou gênios da literatura e das artes, é a definição de estados melancólicos associados a eles. Em outras palavras, o gênio sempre foi associado a estados taciturnos. Segundo Yacubian (2000), na Renascença, a observação de que todos os homens excepcionais haviam sido melancólicos fez com que florescece a idéia de que grandes homens seriam particularmente propensos à epilepsia. Se a definição de doença mental não estava bem estabelecida nessas épocas, óbvios nexos foram traçados (nem sempre mensuráveis) entre doença mental e genialidade (Andreasen, 1987).

Relatos mais recentes confirmam estes perfis, ao demonstrarem como as grandes produções de ícones da literatura universal estavam associadas a ciclotimia, depressão ou euforia dos mesmos. Jamison (1995), por exemplo, falando sobre doença maníaco-depressiva e criatividade, mostra como temperamento e estilo cognitivo específico associados às desordens do humor podem de fato aumentar a criatividade em alguns indivíduos. Comenta este autor que, da mesma maneira que a taxa de suicídios é bem aumentada entre indivíduos deprimidos que se destacaram pela sua produção artística, os ciclos de humor aos que eles estavam submetidos afetou também sua produtividade. Jamison (1995) cita, entre outros, o exemplo de Robert Schumann, cuja maioria de obras musicais foi composta na fase de hipomania, enquanto que a redução de sua produção ocorreu durante as fases de depressão.

O que falar então dos indivíduos portadores de epilepsias? É evidente que o fato de, por exemplo, o famoso pintor holandês Van Gogh (1853-1890), ter apresentado um quadro compatível com crises epilépticas, embora discutido até hoje, junto com mais de 30 outras possibilidades diagnósticas, aguçou críticos, neurocientistas e historiadores, no sentido de estabelecer essa relação eventualmente causal entre epilepsia e genialidade. Sua história é a mais completa e a mais conhecida. Tentaremos usá-la como um paradigma para as lições que esta relação pode nos ensinar.

É notória a quantidade de estudos que tentam mostrar desde o diagnóstico da doença de Van Gogh, até a influência de seu estado clínico na sua produtividade. Gastaut (1956) confirmou os achados dos médicos que trataram de Van Gogh, identificando uma epilepsia do lobo temporal precipitada pelo uso de absinto (bebida muito comum na França, entre todos os artistas da época) na presença de antiga lesão límbica com sintomatologia de emocionalidade aumentada, viscosidade e hiposexualidade. Mais recentemente destaca-se entre essas obras o livro de Arnold (1992) onde de maneira bem detalhada, se discutem os aspectos que relacionam, além dos óbvios fatores associados à sua potencial epilepsia, tanto o impacto do uso de tintas, solventes e da bebida absinto no estado mental e neurológico e na criatividade do mestre. Na mesma linha, em recente revisão, Blumer (2002) relata como o quadro clínico de Van Gogh poderia estar relacionado de maneira multifatorial a estados de depressão pós-epilepsia, induzida por efeitos pró-convulsivos do absinto. Não se descartaria uma lesão cerebral prévia possivelmente associada ao tipo de epilepsia temporal mesial. Blumer (2002) define as alterações comportamentais de Van Gogh como desordem disfórica interictal, sendo esta o conjunto alternado e periódico de excitação-depressão e episódios de fúria, que se associavam a atividade EEGráfica específica. Na realidade, Blumer (2002) resume como Van Gogh sofreu de dois episódios de depressão reativa, tendo apresentado sinais claros de doença bipolar. Além disso os dois episódios de depressão foram seguidos por períodos mantidos de energia extremamente alta e de entusiasmo, primeiro como evangelista, e depois como artista. Dos relatos de seu irmão Théo, e das cartas de Van Gogh a ele dirigidas, se conclui, que, embora Van Gogh apresentasse comportamentos interictais compatíveis com alterações mentais pós-epilepsia, a sua maior produção foi feita em estado lúcido.

Entre os pontos importantes que poderíamos derivar da história surpreendente de Van Gogh, está a não interferência do seu estado mental ou neurológico, no sentido negativo, no seu desempenho artístico. De outro lado, a sua genialidade superou as eventuais barreiras que seu quadro clínico poderia lhe ocasionar. Mas, o que poderíamos pensar do epiléptico que chamaríamos comum? Há uma série de programas que tentam incorporar indivíduos epilépticos à sociedade, já que reconhecemos que, embora o tratamento eficiente situe o epiléptico como um indivíduo normal, melhorar sua qualidade de vida e remover o estigma social sempre serão metas obrigatórias. Desta maneira os grandes nomes das artes e das letras são postos como exemplos de capacidade e competência, reveladas de maneira surprendente, apesar das suas epilepsias. Como exemplo, no sítioAura são colocados, revisão de livros, galerias de arte, incluindo fotos, colagens, pinturas e desenhos de indivíduos epilépticos, além das definições, sugestões, comentários sobre indivíduos com epilepsia. Em muitas dessas produções aparecem sequências, depoimentos, ou vivências que externam de maneira estética, as vezes bem crua, as suas experiências de vida. Como referência extrema, os indivíduos que apresentam a chamada síndrome savantmostram como cérebros submetidos ao limite da sua capacidade funcional aprsentam um potencial ilimitado enquanto a performances artísticas. Muitos desses indivíduos são autistas, e mesmo assim, apesar das suas limitações psicomotoras, perceptivas e sensório-motoras, se expressam por meio da arte, de maneira magistral, sendo uma das mais famosas Nádia (Selfe, 1977). Humphrey (1999) sugere, em artigo polêmico, que a expressão artística de Nádia pode ter sido consequência de sua inabilidade linguística, o que o autor considera análogo com as mentes dos habitantes das cavernas na era do gelo. De fato, não temos nenhum registro de autismo e epilepsia, portanto esta relação é difícil de ser avaliada no contexto deste artigo.

Fora dos conceitos medievais sobre epilepsia e considerados pela ciência arcáicos, o que acontece no nosso mundo contemporâneo? Em trabalho recente sobre como são ilustrados eventos epilépticos no cinema, Kerson e cols (1999) concluem que a visão que se passa nos filmes continua a ser distorcida, sensacionalista e apresentada da maneira bem amedrontadora. Curiosamente, tratamentos não convencionais, não medicamentosos de indivíduos com epilepsia - por exemplo, tratamentos neurocomportamentais, multidisciplinares e de curto prazo (Reiter e Andrews, 2000) - têm se mostrado úteis, não só no controle das crises e de redução dos níveis de AEDs, mas também têm trazido benefícios adicionais tais como melhoria no desempenho profissional, nas artes e nas ciências da computação. Se pensarmos um pouco, também no mundo de hoje poderemos ter situações às vezes surprendentes. Ishida e cols (1998), entre outros, reportaram recentemente os sintomas clínicos de pacientes que, assistindo ao programa japonês Pocket monsters, apresentaram crises epilépticas fotoativadas. Os autores concluiram que as crises foram induzidas por mudanças rápidas nas cores, já que todos os pacientes estudados tiveram suas crises quando foram expostos por alguns segundos a luzes vermelhas escuras e flashes de azul brilhante, alternando a uma frequência de 12 Hz. Hoje não é mais segredo que as epilepsias fotomioclônicas e a fotossensibilidade são um fato científico e clínico.

Tanto a interação do nosso cérebro com as cores como os eventos emocionais que podem ser modulados pela percepção das mesmas, certamente estão entre os fatores que podem ser considerados quando da relação entre artistas plásticos, genialidade e epilepsia. Sempre existe a pergunta de porque El Greco distorcia suas imagens, ou porque Rembrandt pintava com aquele fundo escuro do qual eventualmente surgiam figuras extremamente iluminadas, e quais as razões ópticas, oftalmológicas, técnicas ou filosóficas para o pontilhismo, ou para o impressionismo. Marmor e Ravin (1997) no seu maravilhoso livro The Eye of the Artist, ilustram de maneira clara como, em alguns casos, houve sérios problemas de visão, associados à idade, a doenças degenerativas ou oculares, e em outros, foram escolhas técnicas e acadêmicas as que levaram estes artistas a executarem distorções ou decidirem por opções estéticas específicas.

Agora, de que maneira o nosso cérebro processa e contrasta informações simples, como a do flash, ou mesmo os padrões mais complexos de cores como aqueles contidos nos desenhos animados acima mencionados? De que maneira o cérebro transforma esses sinais em indutores de hiperexcitabilidade e hipersincronismo (epilepsia), e como, na situação normal, de maneira coordenada, nos integra junto com outras modalidades sensoriais, por meio de processos de transdução e associativos, ao universo que nos rodeia? Obviamente este é o ponto que todos gostaríamos de entender, e dele poderíamos derivar, mesmo que de maneira ainda precária, quais seriam os mecanismos do processamento da informação estética, um elemento eventualmente emergencial e altamente subjetivo.

No caso de Van Gogh, tanto Arnold (1992) quanto Blumer (2002) coincidem em que a maioria das melhores expressões artísticas deste grande mestre foram realizadas fora da esfera das intoxicações por absinto, fora dos quadros depressivos, e com uma lucidez extrema. Ao comentar justamente como o cérebro processa a informação estética, podemos nos encontrar com situações entre as quais aquela dos indivíduos muito bem dotados (gênios) que extraem de objetos e da natureza, assim como da própria sociedade humana, informação que às vezes não é perceptível ao comum das pessoas. Nesse campo entenderíamos a relação entre processamento cerebral e a nossa visão, digamos, convencional, a visão do dia-a-dia, ou eventualmente a diferença, se é que ela existe, entre visão dos mestres e sua associação com genialidade. Um pouco dessa aventura de explicar como esses processos podem acontecer de maneira diferencial entre indivíduos comuns, observadores ou críticos de arte e artistas plásticos, tem sido tentada no recente e polêmico livro Inner Vision: An exploration of Art and the Brain de Semir Zeki (1999). Neste livro o autor argumenta como nossas percepções do valor estético, da cor, da luz-sombra e da perspectiva, contidas nas obras de arte, dependem do funcionamento cerebral. Este autor salienta como a universalidade da percepção estética nos permite comunicarnos através da arte sem precisar da palavra escrita ou falada. Numa tentativa semelhante, a de expor uma teoria neurológica da experiência estética, Ramachandran e e Hirstein (1999) apresentam o que eles chamam das oito leis da experiência artística, a busca por universais, a busca pelo essencial. Neste mesmo contexto é interessante mencionar o caso relatado por Finkelstein e cols (1998) de um jovem de 27 anos que trabalhava com artesanato de mosaicos e até então não tinha mostrado nenhum interesse em desenho ou pintura. Foi a seguir admitido a um setor de neurologia com comportamento bizarro e desordens convulsivas. Durante algumas das crises o paciente impulsivamente iniciou desenhos, atividade esta que estava EEGraficamente associada a paroxismos ictais fronto-temporais esquerdos, coincidindo com hipofluxo no SPECT na mesma região. Os autores sugerem se tratar de um fenômeno desinibitório, na medida que testes psicodiagnósticos mostraram hipofunção da região frontal esquerda, talvez induzida por depressão alastrante do hemisfério esquerdo, enquanto que as funções do lobo direito permaneciam intactas. Parte da controvérsia sobre neurologia da função estética está retratada em Zeki (2001) e Ione (2000).

Embora tenhamos nos atido nesta série de comentários aos artistas das artes visuais, uma grande quantidade de exemplos advindos de outras esferas das artes, devem ser listados. Muitos deles já foram comentados no artigo da Dra. Yacubian, no presente volume, e outros tantos aparecem em farta literatura ao respeito (Jamison, 1995; Andreasen, 1987). Por exemplo, segundo Guerreiro (2000), Machado de Assis apresentava epilepsia sintomática localizada, com crises parciais complexas que generalizavam secundariamente. A consequência mais negativa da epilepsia deste grande escritor brasileiro foi o sofrimento psicológico devido à rejeição que sofreu na sua época. Guerreiro (2000) destaca que apesar disto, Machado de Assis mostrou ser um grande gênio ainda atual e universal. Finalmente, segundo Bazil (2001), Edgar Allan Poe, um dos mais celebrados escritores americanos, sofreu também de sintomatologia compatível com um quadro epiléptico: episódios de perda da consciência, confusão e/ou paranóia. Embora estes sintomas tenham sido atribuidos a álcool ou abuso de drogas, eles também poderiam representar crises parciais complexas, estados pós-ictais prolongados ou psicose pós-ictal.

Concluindo, arte e epilepsia se fundem tanto quanto arte e ciência. Os avanços da ciência não conseguem ainda explicar o significado final da arte como expressão fina e elaborada da função cerebral. Também não explicam como funciona o cérebro do artista, e as nuances que acompanham o desempenho artístico modulado por circunstâncias técnicas, por estados emocionais ou por questões orgânicas. Nenhuma dessas limitações nos impede de aceitar que, mesmo em indivíduos com lesões severas, como no caso dos savants, e em casos bem mais amenos, como os de indíviduos com epilepsia (exceção feita são as epilepsias catastróficas e as várias formas de epilepsias farmacorresistentes), a expressão das artes plásticas podem não estar prejudicadas ou eventualmente estar até aumentadas. Os critérios para definir estas interações dependem de uma série enorme de fatores que quando considerados em conjunto são vinculados mais à nossa visão aberta e abrangente do universo e da sociedade em que vivemos, do que às restrições que acompanham o portador de epilepsia.

O desenho Ictus, executado pelo autor em 1987 retrata a necessidade de visões inicialmente fenomenológicas (semiologia; etologia) das epilepsias, com toda a carga emocional e clínica que a sua expressão possa acarretar ao individuo que tem epilepsia e mesmo ao seu observador (familiar, médico). Adicionalmente retrata a necessidade de entender através da pesquisa, os mecanismos celulares e moleculares que podem ser caracterizados para oferecer diagnóstico e terapêuticas, tanto farmacológicas quanto comportamentais e cirúrgicas. Dessa visão integrada depende a possibilidade da ciência oferecer bem estar e qualidade de vida, enquanto investigadora desses fenômenos. As expressões artísticas destes indivíduos são um caminho adicional para o entendimento da surprendente esfera de fatores que caracterizam a função cerebral que tanto apelo têm, embora de conhecimento limitado, para o próprio homem.

Um argumento interessante tomado de Zeki (1999) é o de que o cérebro é um belíssimo órgão, uma das maiores aquisições da evolução. Segundo ele, o conhecimento da sua operação e de seus produtos, incluindo aqui as obras de arte que têm enriquecido nossas culturas e que todos nós admiramos, simplesmente aumenta nossa sensação de maravilhamento e de beleza, já que como consequência começamos a admirar não só o produto, mas o órgão que é capaz de produzí-las.

Norberto Garcia-Cairasco é pesquisador do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental. Departamento de Fisiologia. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo.

Agradecimentos: Às fundações de apóio à pesquisa, FAPESP, PROAP-CAPES, CNPq, FAEPA, PADCT e PRONEX pelo apoio financeiro. A todo o pessoal do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental do Departamento de Fisiologia da FMRP-USP, em especial aos Pós-Graduandos Cristiane Queixa Tilelli e Christiano Del Cantoni Gatti, pelos seus comentários e correções ao manuscrito. Este artigo é dedicado aos indíviduos, geniais ou não, que por causa de, ou apesar de suas epilepsias, realizam obras de arte e brilham com sua arte.

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